quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
Onde termina o telescópio começa o microscópio
“ Como podemos afirmar que a criação dos mundos não é determinada pela queda de grãos de areia? Quem conhece os fluxos e refluxos recíprocos do infinitamente grande e do infinitamente pequeno, a repercussão das causas nos precipícios do ser e as avalanches da criação? O menor inseto é importante, o pequeno é grande, o grande é pequeno; tudo está em equilíbrio na necessidade, assustadora visão para o espírito. Entre os seres e as coisas há relações miraculosas; nesse inesgotável conjunto, desde o sol até o pulgão, nada se despreza; uns tem necessidade dos outros. A luz não leva para o firmamento os perfumes terrestres sem saber o que faz; a noite distribui a essência das estrelas às flores adormecidas. Todos os pássaros que voam têm preso nos pés o fio do infinito. A germinação se compõe da eclosão de um meteoro e da bicada de uma andorinha quebrando um ovo, e põe lado a lado o nascimento de um verme da terra e o advento de Sócrates. Onde termina o telescópio começa o microscópio. Qual dos dois tem vista mais longa? Escolham. Uma mancha de bolor é uma plêiade de flores; uma nebulosa é um formigueiro de estrelas. E há idêntica promiscuidade, mais inaudita ainda, entre as coisas da inteligência e os fatos da substância. Os elementos e os princípios se confundem, se combinam, se casam, multiplicando-se uns pelos outros, a ponto que o mundo material e o mundo moral terminem na mesma claridade. O fenômeno se renova infinitamente. Nas grandiosas permutações cósmicas, a vida universal vai e vem em quantidades desconhecidas, tudo rolando no invisível mistério dos eflúvios, usando de tudo, sem perder um único sonho de um sono que seja, semeando, fazendo da luz uma força e do pensamento um elemento, disseminada e indivisível, dissolvendo tudo, exceto esse ponto geométrico, o ego; reconduzindo todas as coisas à alma-átomo; fazendo tudo desabrochar em Deus; confundindo, desde a mais alta até a mais mesquinha, todas as atividades na obscuridade de um mecanismo vertiginoso; ligando o vôo de um inseto ao movimento da terra, subordinando, talvez, ainda que não fosse senão pela identidade da lei, a evolução do cometa no firmamento ao voltear de um infusório numa gota de água. Máquina feita de espírito. Engrenagem enorme cujo primeiro motor é o mosquito e cuja última roda é o zodíaco.”
Victor Hugo, Os Miseráveis, O idílio da Rua Plumet e a epopéia da Rua Saint- Denis.
quinta-feira, 10 de dezembro de 2015
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