O instante
Onde as eras, o sonho derradeiro
De espadas com que os tártaros sonharam,
Onde as fortes paredes que arrombaram,
E a Árvore de Adão, e o outro Madeiro?
O presente está só. Só a memória
Erige o tempo.
Sucessão e engano
São a rotina do relógio.
O ano
Menos vão não é do que a vã história.
Há um abismo entre o albor e o sol que desce
De agonias, de luzes, de cuidados;
O rosto, ao se mirar nos desgastados
Cristais da noite, não se reconhece.
O hoje fugaz é tênue e é eterno;
Nem outro Céu esperes, nem Inferno.
Jorge Luis Borges
quarta-feira, 24 de outubro de 2018
Composição escrita em um exemplar da Gesta de Beowulf
Ás vezes me pergunto porque razões
Me movem a estudar sem esperança
De precisão, enquanto a noite avança,
Esta língua dos ásperos saxões.
Já gasta pelos anos a memória
Deixa cair a em vão e repetida
Palavra e assim é como minha vida
Tece e destece sua cansada história.
Será (me digo) que de um suficiente
E mais secreto modo a alma sabe
Que é imortal e que seu vasto e grave
Círculo tudo abarca onipotente.
Para além deste afã e deste verso
Me espera inesgotável o universo.
Jorge luis Borges
Ás vezes me pergunto porque razões
Me movem a estudar sem esperança
De precisão, enquanto a noite avança,
Esta língua dos ásperos saxões.
Já gasta pelos anos a memória
Deixa cair a em vão e repetida
Palavra e assim é como minha vida
Tece e destece sua cansada história.
Será (me digo) que de um suficiente
E mais secreto modo a alma sabe
Que é imortal e que seu vasto e grave
Círculo tudo abarca onipotente.
Para além deste afã e deste verso
Me espera inesgotável o universo.
Jorge luis Borges
Jorge Luis Borges
1 Dois poemas ingleses
A Beatriz Bibiloni Webster de Bullrich
I A inútil alvorada me encontra em uma esquina deserta; sobrevivi à noite. As noites são ondas orgulhosas: ondas de pesada crista azul-escura cheias de tons de espólios fundos, cheias de coisas improváveis e desejáveis. As noites têm o hábito de misteriosas dádivas e recusas, de coisas meio dadas, meio retidas, de alegrias com escuro hemisfério. As noites procedem assim, creia-me. A vaga, nessa noite, deixou-me os pedaços e as sobras avulsas de costume: uns amigos odiados para bater papo, música para sonhos e o fumegar de cinzas amargas. Coisas sem uso para meu coração faminto. A grande onda trouxe você. Palavras, quaisquer palavras, seu riso; e você, de uma tão preguiçosa e incessante beleza. Conversamos e se esqueceu das palavras. Os estilhaços da alvorada me encontram em uma rua deserta de minha cidade. Seu perfil que se desvia, os sons que compõem seu nome, a cadência de seu riso: ilustres brinquedos que você me deixou. Revolvo-os na alvorada, perco-os, encontro-os; revelo-os aos poucos cães erradios e às poucas estrelas erradias da alvorada. Sua preciosa vida obscura... Tenho de alcançá-la, de algum modo: guardo esses ilustres brinquedos que você me deixou, quero seu olhar oculto, seu sorriso real — esse sorriso solitário e zombeteiro que seu frio espelho conhece.
II Com que posso detê-la? Ofereço-lhe ruas decaídas, ocasos desesperados, a lua dos subúrbios maltrapilhos. Ofereço-lhe o amargor de um homem que por longo e longo tempo contemplou a lua solitária. Ofereço-lhe meus ancestrais, meus mortos, os espectros que os vivos honraram em mármore: o pai de meu pai morto na fronteira de Buenos Aires, duas balas nos pulmões, barbudo e morto, envolto por soldados em uma pele de vaca; o avô de minha mãe — apenas vinte e quatro anos — a comandar um ataque de trezentos homens no Peru, hoje espectros sobre cavalos extintos. Ofereço-lhe qualquer intuição que meus livros tenham, qualquer hombridade ou humor de minha vida. / Ofereço-lhe a lealdade de um homem que jamais foi leal. / Ofereço-lhe esse meu cerne que de algum modo preservei — o coração central que não lida com palavras, não comercia com sonhos e não foi tocado pelo tempo, pela alegria, pelas adversidades. Ofereço-lhe a lembrança de uma rosa amarela vista no ocaso, anos antes de você nascer. Ofereço-lhe explicações de si mesma, teorias de si mesma, novidades autênticas e surpreendentes acerca de si mesma. / Posso lhe dar minha solidão, minha treva, a fome de meu coração; estou tentando aliciá-la com incerteza, com perigo, com derrota. (Tradução de José Antônio Arantes.)
1 Dois poemas ingleses
A Beatriz Bibiloni Webster de Bullrich
I A inútil alvorada me encontra em uma esquina deserta; sobrevivi à noite. As noites são ondas orgulhosas: ondas de pesada crista azul-escura cheias de tons de espólios fundos, cheias de coisas improváveis e desejáveis. As noites têm o hábito de misteriosas dádivas e recusas, de coisas meio dadas, meio retidas, de alegrias com escuro hemisfério. As noites procedem assim, creia-me. A vaga, nessa noite, deixou-me os pedaços e as sobras avulsas de costume: uns amigos odiados para bater papo, música para sonhos e o fumegar de cinzas amargas. Coisas sem uso para meu coração faminto. A grande onda trouxe você. Palavras, quaisquer palavras, seu riso; e você, de uma tão preguiçosa e incessante beleza. Conversamos e se esqueceu das palavras. Os estilhaços da alvorada me encontram em uma rua deserta de minha cidade. Seu perfil que se desvia, os sons que compõem seu nome, a cadência de seu riso: ilustres brinquedos que você me deixou. Revolvo-os na alvorada, perco-os, encontro-os; revelo-os aos poucos cães erradios e às poucas estrelas erradias da alvorada. Sua preciosa vida obscura... Tenho de alcançá-la, de algum modo: guardo esses ilustres brinquedos que você me deixou, quero seu olhar oculto, seu sorriso real — esse sorriso solitário e zombeteiro que seu frio espelho conhece.
II Com que posso detê-la? Ofereço-lhe ruas decaídas, ocasos desesperados, a lua dos subúrbios maltrapilhos. Ofereço-lhe o amargor de um homem que por longo e longo tempo contemplou a lua solitária. Ofereço-lhe meus ancestrais, meus mortos, os espectros que os vivos honraram em mármore: o pai de meu pai morto na fronteira de Buenos Aires, duas balas nos pulmões, barbudo e morto, envolto por soldados em uma pele de vaca; o avô de minha mãe — apenas vinte e quatro anos — a comandar um ataque de trezentos homens no Peru, hoje espectros sobre cavalos extintos. Ofereço-lhe qualquer intuição que meus livros tenham, qualquer hombridade ou humor de minha vida. / Ofereço-lhe a lealdade de um homem que jamais foi leal. / Ofereço-lhe esse meu cerne que de algum modo preservei — o coração central que não lida com palavras, não comercia com sonhos e não foi tocado pelo tempo, pela alegria, pelas adversidades. Ofereço-lhe a lembrança de uma rosa amarela vista no ocaso, anos antes de você nascer. Ofereço-lhe explicações de si mesma, teorias de si mesma, novidades autênticas e surpreendentes acerca de si mesma. / Posso lhe dar minha solidão, minha treva, a fome de meu coração; estou tentando aliciá-la com incerteza, com perigo, com derrota. (Tradução de José Antônio Arantes.)
terça-feira, 23 de outubro de 2018
sábado, 13 de outubro de 2018
Tradução Orlando Rangel Silêncios
Ausências largas impronunciáveis
segredos seus,meus,nossos.
Amanhecer contigo
em nossa noite de insônia.
A história de sua vida:
bendito teu ser e tua presença.
Você é o templo benevolente, ser sem nome
Entre duas fontes, cobre-me com tua sede
voracidade de uma alma errante
derrama tua calma
sobre meu corpo amante.
A suave glória de teu tato infinito
Um dedo teu serpenteando pelo meu rosto
ilumina minha alma
protege-me e alberga-me
baixa tuas asas, cobre-me
Pirâmide espiral que envolve os sentidos
Malva de vento e quimono
Lótus de água clara
Madrigal de outono
Abriga-me
Apalpe-me
Conforta-me.
Poesia Denia Arjuna
Ausências largas impronunciáveis
segredos seus,meus,nossos.
Amanhecer contigo
em nossa noite de insônia.
A história de sua vida:
bendito teu ser e tua presença.
Você é o templo benevolente, ser sem nome
Entre duas fontes, cobre-me com tua sede
voracidade de uma alma errante
derrama tua calma
sobre meu corpo amante.
A suave glória de teu tato infinito
Um dedo teu serpenteando pelo meu rosto
ilumina minha alma
protege-me e alberga-me
baixa tuas asas, cobre-me
Pirâmide espiral que envolve os sentidos
Malva de vento e quimono
Lótus de água clara
Madrigal de outono
Abriga-me
Apalpe-me
Conforta-me.
Poesia Denia Arjuna
Assinar:
Postagens (Atom)